sábado, abril 15, 2006

Reminiscências

Sou do tempo em que tínhamos o relógio e a caneta. Quem, como eu, iniciou os estudos com a caneta de pena no segundo ano primário sabe do que estou falando. O primeiro ano era só com lápis – Johann Faber número 2.

Com que inveja víamos os veteranos com as mãos azuladas de tinta!
Depois, nosso grande salto tecnológico na escrita: quando ascendíamos ao ginásio. Tínhamos a caneta tinteiro Parker 21 com o vidro de tinta azul real lavável. E, mesmo assim, vivíamos encardidos de azul! Lavável sim, depois de muitas lavagens.

E a Parker 51? Algo inacessível, coisa de ricos. E a 51 com pena de ouro? Só para milionários – outra espécie humana.

Até hoje não sei o real significado desses números. Talvez seja por causa disso que alguém inventou a Caninha 51. Como vingança.

O relógio, então, era uma relíquia em que vivíamos dando corda. Em geral Mondaine com algarismos romanos. Feito na Suíça – uma glória!

O tal do “oméga ferradura” era só para bilionários. Em rigor, ômega, com a letra grega correspondente no visor que, pela semelhança com uma ferradura, os caipiras de nossa região, criativamente, chamavam daquele jeito. E ainda o fazem os mais velhos.

O fato é que ver a hora era um ato de reverência, e escrever sem borrões, uma arte. Bons tempos. Todavia, até hoje as pessoas perguntam as horas com muito respeito e agradecem-nos de forma solene como decorrente de cerimoniosa consulta a oráculos. Ou seriam horáculos?

Entretanto, parece-me que tudo aquilo que era sagrado nesses objetos começou a ir para o espaço na época dos Sputniks russos. Ou foram para o mar, quando os japoneses vieram com o tal de Seiko que nos permitia mergulhar a n metros, como se o ser humano tivesse que voltar à vida aquática em grandes profundidades.

Como o tempo muda tudo e como tudo muda a gente! Depois veio a caneta esferográfica, vieram os relógios descartáveis, e aqueles ícones viraram coisas de colecionadores excêntricos.

Essas nostalgias me vieram ao observar o relógio digital do computador, o que também me fez lembrar Fernando Pessoa: “sou a Hora, e a Hora é de assombros e toda ela escombros dela...”. E me dei conta da continuidade do tempo em oposição às coisas discretas.

Como medir uma coisa contínua, infinitamente contínua? Com que precisão? Uma coisa fundamental na teoria de Einstein e que ainda é um mistério para a maioria dos mortais.
E disso tudo me veio um assombro. O meu – não o de Fernando Pessoa, que os tinha em maior profundidade, e sem relógio Seiko.

E, sob o peso desse assombro, fiquei pensando nos “números de relógio” inventados por Gauss – um dos maiores matemáticos de todos os tempos.

Mas essa é uma outra história.

Adalberto Nascimento